



João Paulo Lorenzon
Ator


O Funâmbulo 2009
Sobre o Fio
Funâmbulo.
Uma vez alguém me falou sobre essa palavra: existem dois tipos de equilibrista, o aramista e o funâmbulo.
O aramista é aquele equilibrista alegre, que anda sobre um fio em baixa altura, vem divertir o público, usa proteção e é esse que em geral vemos no circo.
O outro amarra o seu fio nas alturas, em lugares perigosos, nunca usa proteção, não vem divertir o público e é conhecido como o Funâmbulo.
Em 2008 fiz, no SESC Avenida Paulista, Memória do Mundo, trabalho inspirado no universo de Jorge Luis Borges.
Sobre a mesa de meu camarim estava o texto O Funâmbulo, poema de Genet sobre o amor do equilibrista pelo seu fio. Deixava o texto sobre minha bancada como amuleto de sorte e inspiração.
Joaquim Goulart, diretor do espetáculo, que na época eu ainda não conhecia, foi assistir à Memória do Mundo, sentou-se à mesa de meu camarim para conversarmos e, sem perceber, debruçado sobre o texto de Genet, disse:
O ano que vem será ano da França no Brasil. Podemos criar algum trabalho juntos.
Dias depois reencontrei Joaquim em sua casa. Joaquim Goulart me lembrava Jean Genet, ou pelo menos o que eu imaginava dele.
A inquietude, a intensidade, o olhar marginal.
Reconheci o fio que poderia nos aproximar do universo do escritor francês.
Lemos O Funâmbulo e soubemos: aquele seria o nosso trabalho. Longo trabalho. Quase um ano de ensaio.
Quase um ano em busca dos direitos autorais. Fizemos reunião na França com os detentores - não sei ao certo seus vínculos com Genet- um artista plástico, uma poetiza oriental, um artista circence.
Tinham as mais variadas exigências: determinaram mudanças na tradução e destacaram a necessária simplicidade do cenário.
Quiseram ver se o intérprete poderia dar voz às palavras do poeta, se ele realmente era capaz de caminhar sobre o fio. Por fim deram a permissão, propondo um acordo financeiro abaixo do esperado, mostrando que as preocupações eram ideológicas e não comerciais.
Agora estamos aqui. Amarrar o fio do equilibrista como metáfora do artista, como metáfora do homem e de seu fio; sustentar-se no desfiladeiro da vida que vale pelo risco da morte, porque luta contra ela. Reconhecer a solidão e a felicidade e tentar se equilibrar.
Um poeta escreveu: Com a ferida vermelha o pássaro branco voa para o céu azul.
João Paulo Lorenzon

2014 by