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As coisas que serão, que são, que foram.

 

Em 2008 criamos Memória do Mundo. Espetáculo inspirado na vida e na obra de Jorge Luis Borges. Na época eu era um ator de 28 anos e tinha ao meu lado, formada gradualmente, uma equipe de ouro.

 

Agora, cinco anos mais tarde, volto a Borges em um novo trabalho. Por quê? Não havia tocado todos os temas sobre a memória? Sua beleza, sua insônia, sua felicidade? Não havia criado todas as formas e imagens que me eram possíveis de sonho e de sonhos dentro de sonhos? Não havia me perguntado o bastante sobre esse limiar entre o que é lembrado e o que é esquecido e o que é imaginado? Não sentia que havia oferecido uma delicada, embora modesta, homenagem a este escritor e à sua cegueira de luz? Não havia salvado um sonho? Então por quê?

 

Havia ficado ainda algo estocado no porão.  Algo restou. Ou foi criado nesse intervalo. Restos, ecos, passos. Algo que precisava remexer. Haver-me com ele. Além disso, nunca temos as respostas. E elas mudam. Estamos de volta. E não entendo. E não me importo se entendo. Foram coisas que serão.

 

Este espetáculo é dedicado à Isabel Setti.

 

 

‘Saiba que os poetas como os cegos podem ver na Escuridão’

 

Há uma gratidão na obra de Borges. Foi minha avó que me apresentou a ele. Na verdade, foi a morte dela que me levou a conhecê-lo. Depois que ela se foi, revirei, menino, as suas coisas na tentativa de encontrar um sinal, uma mensagem mágica. Encontrei um livro com uma ampulheta interseccionada com um labirinto na capa e, dentro, no final de um conto, logo após o ponto final, estava escrito com tinta azul: Lindíssimo! Era a letra de minha avó. Eu, que a achava lindíssima, quis então saber quem é que ela achava lindíssimo. E foi assim que tudo começou.

Borges foi lentamente ficando cego e, em sua obra,   assim pude ver, este fato mais lhe trazia o desejo de desfrutar os instantes que restavam e as imagens que permaneciam, do que algum sentimento de  revolta ou vingança.  – É uma doçura, se parece com a eternidade, ele me disse uma vez. 

 – Por que você me pintou com um olho só? Perguntou a duquesa ao pintor Modigliani. – Para que você veja o mundo com esse. E com o outro veja dentro de você.

Há uma gratidão na obra de Borges. Na possibilidade do infinito. Como sempre houve na infância com minha avó.

 

 

Sinopse

 

Memória: esta é a viagem a que se propõe o espetáculo. Memória: o ponto de partida ou o de chegada ou os dois.  E nela as transformações da imaginação e da realidade. Recordar, rememorar. São estes os verbos. O ponto. Um homem vê o infinito através de um ponto de luz e não consegue mais regressar a si. Não pode voltar a sua antiga vida porque não consegue mais parar de ver e lembrar.

Como é não poder mais esquecer?
 



Concepção: Poesia e Luz

 

Eu Vi o Sol brilhar em toda a sua Glória não converge só para os aspectos biográficos de Borges, mas também para as paisagens mais oníricas e fantásticas do escritor. A estrutura se apoia em um ator que conduz a plateia por labirintos de luz e escuridão. Estamos diante delas mais uma vez. Por um lado a cegueira que lentamente se aproxima. Não o negro, mas a neblina, onde as cores vão nos abandonando. Por outro a visão memoriosa e fantástica de todas as coisas. A visão simultânea do universo.

Não veremos Borges. Veremos talvez o sonho de Borges. O narrador de Borges. E suas encarnações. Veremos alguém em uma luz que tem gênero, sexo, corpo, voz, alma, presença. E ausência. Ouvi uma vez que não era impossível que nós, todos nós, fossemos na verdade feitos de luz.

Eu vi o Sol Brilhar com toda sua Glória 2012

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